A entrevista mais esperada do ano finalmente está no ar! Sabe aquelas perguntas cabulosas sobre direitos autorais que você sempre quis fazer, mas nunca ninguém conseguiu te dar uma resposta clara ou completa? Nós da Labrador pegamos essa missão e fomos atrás para esclarecer todas as dúvidas. Encerramos o ano entrevistando a advogada Eliana Rozenkwit, counsel de Chaves, Gelman, Machado, Gilberto e Barboza Advogados, e tem mais de 20 anos de experiência e atuação nas áreas de Contratos e Propriedade Intelectual.
Caros leitores:
– As respostas 1 a 7 são baseadas na lei brasileira (Lei do Direito Autoral Lei 9.610/98 – LDA).
– Usei o temo “autor” no masculino para facilitar a leitura. Onde estiver escrito “o autor”, por favor leiam também “a autora”.
- Quais são os elementos essenciais de um contrato de direito autoral? No que o autor não pode deixar de prestar atenção?
Em primeiro lugar, é importante que o autor saiba que o contrato que deve regular sua relação com uma editora é o Contrato de Edição, descrito em detalhes na LDA – Artigos 53 a 67. É o contrato por meio do qual o autor concede a um editor o direito exclusivo de publicar e explorar a obra, durante o prazo e nas condições estabelecidas no contrato.
Os principais elementos do Contrato de Edição, e aqueles em que, em minha opinião, o autor não pode deixar de prestar atenção, são a descrição da obra a ser publicada, o valor dos direitos autorais a serem pagos ao autor, a periodicidade dos pagamentos, o número de edições cobertas pelo contrato e o número de exemplares de cada edição.
Outras preocupações específicas do autor também podem ser negociadas com a editora e contempladas no Contrato de Edição – nesse sentido, é recomendável que autores conheçam o que a LDA diz sobre o Contrato de Edição, pois há questões que são reguladas pela lei e não precisam constar do Contrato.
- Ao assinar um contrato com uma editora, o autor perde seus direitos sobre a obra?
Usualmente, o autor não “perde” seus direitos sobre a obra quando assina um Contrato de Edição padrão. Como dito acima, no Contrato de Edição o autor apenas autoriza que a editora publique e explore seu livro por um período determinado – os meios e formas dessa publicação e exploração dependerão do que for negociado entre autor e editora e do que constar do Contrato de Edição (por exemplo, livro impresso, digital, publicação total, parcial e outros). Quando terminar ou for resolvido/rescindido o Contrato de Edição, cessarão os direitos da editora. Por outro lado, apesar de o Contrato de Edição ser uma autorização temporária, ele é exclusivo. Isso significa que, enquanto vigorar um Contrato de Edição com uma editora, o autor não pode conceder a outra editora os mesmos direitos que concedeu à primeira.
Um autor somente “perderá” os direitos sobre sua obra se transferir esses direitos expressamente (por escrito). Ou seja, a transferência de direitos depende da vontade expressa do autor.
- No que diz respeito a tradução, adaptação para filme, seriado, música de uma obra: quem tem o direito legal sobre elas e quem lucra?
Quando falamos de direitos autorais em geral, é essencial o autor entender que qualquer uso de sua obra depende da sua autorização prévia e expressa. No caso de uma obra literária (exceto se for coletiva, que tem regras específicas), TODOS os direitos sobre ela pertencem originalmente ao seu autor, e qualquer terceiro somente poderá ter direitos sobre essa obra se o autor conceder esses direitos de maneira expressa.
Outro detalhe importante é que o Contrato de Edição trata apenas da publicação da obra literária como livro (isso pode incluir o direito de traduzir a obra e de publicá-la em outros idiomas e em outros países). Com o surgimento de novas tecnologias, as publicações passaram a incluir também livros digitais e a possibilidade de publicação parcial de uma obra. Obras não literárias que possam derivar da obra literária, como filmes e seriados, não costumam ser objeto de um Contrato de Edição típico. Mas sequências de livros, por exemplo, podem sim constar do Contrato de Edição.
- O que protege mais um livro legalmente: ISBN ou registro na Biblioteca Nacional? Um tem mais potência que o outro ou são forças complementares?
O ISBN e o registro na Biblioteca Nacional têm finalidades e efeitos diferentes, e são complementares.
O ISBN serve para identificar uma edição específica de um livro e é um número padronizado e internacional cujo principal objetivo é facilitar a catalogação e busca de dados sobre livros. É um número utilizado para fins comerciais e não confere qualquer tipo de “proteção” à obra.
O registro na Biblioteca Nacional serve para “fixar” a proteção dos direitos autorais sobre o livro; digo “fixar” porque o registro não é o ato que faz nascer o direito autoral. O direito autoral nasce junto com a própria obra – ou seja, basta que uma obra literária seja escrita para que ela esteja protegida por direito autoral. Vejam, a LDA diz: “A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro” (Artigo 18). O texto de uma obra literária, ao existir, está automaticamente protegido por direito autoral. O registro dessa obra na Biblioteca Nacional simplesmente confirma que o direito existe, não sendo um requisito para que tal proteção exista.
No entanto, se uma obra literária não é registrada na BN, como provar que ela existe e desde quando? Nesse ponto, a publicação da obra e seu ISBN são instrumentos importantes, pois dão publicidade à existência da obra literária e fixam a data do seu “nascimento”.
- Quais são as sanções civis decorrentes da violação de direito autoral?
As sanções civis aplicáveis em decorrência de violações de direitos autorais sobre obras literárias incluem:
(i) a apreensão das obras reproduzidas ou editadas fraudulentamente, mediante pedido do titular dos direitos violados;
(ii) para o violador dos direitos, a perda dos exemplares reproduzidos ou editados de forma fraudulenta em favor do titular dos direitos e a obrigação de pagar ao titular dos direitos o preço dos exemplares que já tiver vendido;
(iii) a suspensão ou interrupção (decretada por ordem judicial) da circulação de obras reproduzidas ou editadas fraudulentamente, com a possibilidade de aplicação de multa diária pelo descumprimento da ordem judicial, podendo a sentença judicial, neste caso, decretar ainda a destruição de todos os exemplares ilícitos e de suas matrizes e do maquinário e insumos usados para cometer a violação;
(iv) em todos os casos acima, indenização das perdas e danos sofridos pelo titular dos direitos; e/ou
(v) para aquele que deixar de indicar o nome, pseudônimo ou símbolo do autor, indenização por danos morais e obrigação de divulgar a identidade do autor na forma especificada na LDA.
Essas sanções civis, assim como as violações que acarretam a sua aplicação, estão previstas nos artigos 102 a 110 da LDA.
- Quais os direitos morais de um autor?
Os direitos morais do autor são: (i) direito de reivindicar a autoria da obra a qualquer tempo; (ii) direito de ter seu nome indicado como sendo o do autor, na utilização de sua obra; (iii) direito de conservar a obra inédita; (iv) direito de assegurar a integridade da obra, opondo-se a modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; (v) direito de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; (vi) direito de retirar a obra de circulação ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando implicarem afronta à sua reputação e imagem; e (vii) direito de ter acesso a exemplar único e raro da obra para preservar sua memória.
- Qual a diferença entre autoria e titularidade?
Autor é o criador de um livro. Titular é aquele que detém os direitos autorais sobre o livro. Autor e titular podem ser pessoas diferentes, pois o autor pode transferir seus direitos autorais a um terceiro ou autorizar o seu uso por um terceiro, que passará a ser titular de tais direitos (de forma definitiva em caso de transferência, e temporária em caso de licença ou autorização).
- Caso um autor queira se aprofundar mais na LDA, qual seria uma leitura obrigatória?
O essencial mesmo é que os autores leiam e conheçam a própria LDA e entendam que a lei existe para proteger seus direitos e orientar as negociações entre as partes.
- Há diferença entre direitos autorais e copyright?
Sim, existe diferença.
Copyright é um modo de proteção de propriedade intelectual adotado por países cujo sistema legal é baseado no “common law” (Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo). “Common law” é um sistema legal de origem anglo-saxã e tem como fonte principal do direito os precedentes jurisprudenciais (ou seja, decisões anteriores dadas por tribunais em disputas similares).
Já direitos autorais, ou direitos de autor, são o modo de proteção de determinados direitos de propriedade intelectual adotado pelos países cujo sistema legal é baseado em “civil law” (principalmente países de origem greco-latina, incluindo o Brasil). “Civil law” é um sistema que tem a lei como a principal fonte do direito.
A principal diferença entre o copyright e o direito de autor é que o primeiro somente protegerá a obra intelectual que estiver fixada em algum suporte material. Outra diferença importante, mas que vem diminuindo com o passar do tempo, é que inicialmente o copyright não reconhecia os direitos morais de um autor, ao passo que o direito de autor sempre os reconheceu, dando menor importância aos aspectos comerciais (de exploração econômica) das obras intelectuais. As diferenças entre os sistemas são várias e geram bastante discussão.