Você sabia que o processo de produção de um livro vai muito além do texto? Uma das etapas editoriais mais importantes é a da diagramação, quando todas aquelas páginas de Word ganham forma de livro. Mas, afinal, como funciona essa tal de diagramação?
Esse mês a Editora Labrador entrevistou o diagramador, capista e artista gráfico Antonio Kehl, que trabalha na área há mais de 20 anos, para sua série “Nos Bastidores da Autopublicação”. Prestando serviços para editoras como Boitempo, Nova Alexandria, Estação Liberdade, Contexto, Terceiro Nome e Fundação Perseu Abramo, além, claro, da Labrador, Kehl já produziu mais de 2 mil livros.
- Todo mundo fala da importância da diagramação, mas afinal de contas, o que é a diagramação?
Basicamente, diagramar é dar forma harmônica e organizada ao conteúdo de um livro. Quando o conteúdo é só de texto, a diagramação é uma tarefa relativamente simples, que deve contemplar algumas regras básicas, como evitar linhas órfãs (apenas uma linha de um parágrafo no início ou fim de uma página), palavras viúvas (apenas uma palavra na última linha do parágrafo), paralelismos (duas palavras iguais no início ou fim de linhas subsequentes) e outros detalhes a que devemos ficar atentos para dar elegância e facilitar a leitura.
Quando o conteúdo envolve texto, imagens e/ou gráficos e tabelas, a tarefa se complica, pois devemos procurar o melhor encadeamento entre texto e imagem para que a leitura flua de forma clara. É preciso saber dar ritmo à diagramação para que o conteúdo do livro fique o mais claro possível ao leitor.
- Como entrou nesse mundo de diagramação?
Eu diagramei meus primeiros trabalhos quando ainda estava na faculdade, na década de 1980, muito antes do aparecimento dos primeiros computadores. Naquele tempo, a tarefa de diagramação era bem complicada. Primeiro tínhamos de gerar os textos em fotocompositoras, que os imprimiam em papel fotográfico, já do tamanho da mancha do livro. Depois passávamos horas na prancheta colando os textos com goma arábica em cartolinas, que continham as marcas de corte e da mancha de cada página. Essas cartolinas iam para a máquina de fotolitos, que fotografavam cada página. Eram necessárias pelo menos cinco pessoas para fazer um simples livro de texto.
Depois da faculdade, fui morar no Mato Grosso por 8 anos, onde me dediquei à marcenaria e à panificação. Quando voltei para São Paulo, no início de 1990, conheci os primeiros PCs e fiquei fascinado com a praticidade do Page Maker, primeiro programa realmente eficiente de diagramação e que me permitia montar qualquer livro sozinho. Aprendi a usar o Page Maker, procurei alguns editores que eu conhecia e ofereci meu trabalho como diagramador. Nunca mais parei de diagramar livros.
- Qual o maior desafio que podemos encontrar ao diagramar um livro?
Na minha opinião, o diagramador, bem como o projetista gráfico (que muitas vezes são a mesma pessoa), tem como maior desafio transmitir da melhor forma possível o conteúdo proposto pelo autor. Para mim, os bons diagramadores e projetistas gráficos são aqueles que nunca colocam a sua vaidade pessoal, como artistas, acima da necessidade de transmitir de forma clara e harmônica o que outra pessoa escreveu ou concebeu.
- Quais são os erros mais comuns ao diagramar um livro?
Os mais frequentes, em livros de texto, são as tais linhas viúvas, palavras órfãs e paralelismos que citei na minha primeira resposta. A rigidez do projeto gráfico também pode ser um problema. Certa vez trabalhei para uma editora que exigia tanto um número exato de linhas em cada página como uma distância fixa entre o título do capítulo e o início do texto. Só que, com tanta rigidez, fica difícil evitar viúvas ou palavras órfãs, que eles também não admitiam. Chegavam ao cúmulo de modificar o texto para conseguir encaixá-lo no “padrão da editora”. Acho um absurdo mexer no texto de um autor para conseguir evitar uma viúva. É claro que devemos, na medida do possível, manter esses padrões. Mas ninguém percebe se, por acaso, uma página tiver uma linha a mais que a página vizinha ou a distância entre o título e o início do texto variar alguns milímetros entre um capítulo e outro. O mais importante é conseguir a melhor harmonia para a leitura.
- Qual seria a melhor dica que você daria a um diagramador iniciante?
Também acho que essas dicas já estão dadas nas respostas anteriores. Mas uma coisa é importante: leia livros com atenção especial à diagramação. Tente perceber quais detalhes tornam a leitura mais fluida. Qual entrelinha é mais agradável? Quais fontes têm legibilidade melhor? Qual o tamanho da mancha ideal para cada formato de livro?
E apenas vou reforçar o que disse acima: deixe a vaidade de lado. Diagramação e Projeto Gráfico são profissões ruins para os vaidosos, pois o maior objetivo é mostrar o trabalho de outra pessoa, e não o seu.