Dividindo-se entre a engenhosidade de Dom Quixote e as aventuras do rei Arthur e seus cavaleiros, A espantosa história do cavaleiro da barba florida é uma boa pedida para os amantes de histórias sobre cavaleiros, dragões, castelos e a promessa da honra eterna. O autor Carmelo Ribeiro consegue transformar um assunto antigo (e, para alguns, maçante) em uma fábula leve, divertida e principalmente completa, com personagens complexos, uma trama envolvente e uma mensagem impactante.
No livro, o famoso cavaleiro desonrado Jimeno Garcia de Zamorra é convocado para a distante (distante mesmo) cidade de Castro para matar um dragão, ou melhor, matar a metáfora de um dragão: sete mulheres estão grávidas e todas afirmam que o pai é o próprio Excomungado. A criança é a chave de um grande mal e trará o caos para a cidade. Entretanto, apenas uma das mulheres diz a verdade e é trabalho de Zamorra descobrir quem dará à luz ao beliz.
Em uma sociedade cheia de preconceitos e idealismos, parece uma tarefa impossível separar a verdade real da verdade que o povo quer acreditar. Rápidos para julgar, condenar e queimar uma mulher pecadora, os cidadãos de Castro não conseguem enxergar a própria culpa na situação de cada gravidez, portanto não é surpresa que a primeira reação deles ao descobrir quem estava grávida do demônio seja de revolta e retaliação. Sem grandes spoilers.
Eis a grande sacada de Carmelo Ribeiro com seu livro: assim como fábulas trazem lições de moral e ensinamentos, A espantosa história do cavaleiro de barba florida é sobre responsabilidade, empatia, igualdade, condições sociais e, sobretudo, a verdade. Tudo isso sem jamais perder o frescor e o prazer que o gênero propõe.
Além disso, é preciso destacar o trabalho minucioso e muito bem elaborado com a linguagem. A pesquisa que Carmelo Ribeiro fez para empregar expressões arcaicas e rebuscadas já era um fator positivo e atraente em seu primeiro livro, O morto carregando o vivo, mas em A espantosa história, a linguagem parece um personagem à parte: essencial pra a construção do leitmotiv, sem um moussen ou um cagarrinhoso seria impossível sentir essa vibração medieval e cavalheiresca.