“O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Esta frase, tão célebre e tão atual, marcou uma geração que lutou (e ainda luta) contra um sistema opressor e assassino. Ela nos leva a pensar sobre nossas atitudes e o quanto elas influenciam em lutas que parecem tão distantes de nós, unicamente porque não nos afeta diretamente.
O que ela nos diz é que, apesar de não nos atingir, essas batalhas fazem parte da nossa realidade e, não, não podemos ficar em silêncio diante delas.
Essa reflexão está intrincada nas linhas de “Travessias para a liberdade”, de Orlando Milan. Em um Brasil futurístico (mas nem tão futurístico assim), a situação carcerária chegou a tal ponto de saturação, que tornou-se inadmissível não repensar o sistema judiciário e, como solução, foi projetada a cidade Renascença, que abrigaria presos de todos os cantos do país. Nesta cidade, os presidiários estariam responsáveis pelo funcionamento de suas estruturas, sem qualquer influência exterior, e, a partir de sua conduta, encontrariam seus caminhos de volta para a ressocialização.
Como boa parte do enredo se mantem dentro de Renascença, os personagens são homens às margens da sociedade, do batedor de carteira mais azarado ao assassino mais frio e calculista – todos trabalhando juntos para sobreviver nessa nova realidade. Então, o que esperar desse plano? Uma rebelião? Uma guerra? Um fracasso?
O que Milan nos expõe é que parece muito fácil esperar o pior dos outros, quando na verdade todos os homens possuem algo bom dentro de si. Seus protagonistas, mesmo quebrados e rechaçados, têm mais a oferecer do que lhes foi permitido, seja pelas condições de suas vidas, seja pelas escolhas que fizeram, e percebemos essa riqueza de espírito quando a cidade começa a prosperar. Os pequenos eventos e festivais, os diálogos na mesa do bar ou sob a luz da lua no mirante, as tentativas esperançosas para crescer e se tornar alguém de respeito demonstram uma ambição simples e crua que, para nós, é tão banal… Nós, que caminhamos livres pelas ruas, falamos ao celular e compramos coisas das quais não precisamos. Esquecemos que ações tão comuns podem ser o sonho de vida para outros.
O livro então nos faz refletir sobre quais oportunidades estão sendo dadas a esses homens, que há muito desistiram de ter seu papel entre os livres, e qual o verdadeiro sentido das prisões no nosso país. Elas estão de fato oferecendo chances de ressocialização? Não seriam na verdade escolas (ou até mesmo universidades) para o crime? Nosso sistema carcerário é a solução?
Assim, a exemplo de seu título, os personagens procuram travessias para se libertarem de seus pecados, mas pode-se dizer que o livro vai além: qual caminho o país deve seguir para se libertar dessa realidade violenta e criminosa? E o que devemos fazer para fazer essa travessia: nos silenciar ou gritarmos em resposta?